Simetrias

Há muito tempo que as simetrias têm sido objeto de interesse de cientistas e artistas. Para os artistas, elas são formas de expressar o belo, o agradável, o estético enfim; para os cientistas as simetrias constituem pistas que a natureza oferece para que seus segredos sejam desvendados.

Este assunto é bastante amplo e profundo, mas, neste artigo, vamos explorar apenas alguns aspectos curiosos que ele oferece.

Figura 1

Em Química, um maior interesse pelas simetrias surgiu após os trabalhos de Pasteur com ácidos tartáricos. Em 1849 este destacado cientista, logo no início de sua gloriosa carreira, descobriu que os cristais desses ácidos não são idênticos entre si, mas se apresentam em duas formas: uma sendo a imagem especular da outra. Isto é, uma forma dos cristais é idêntica à da imagem que o outro apresenta num espelho. Objetos com esta propriedade não podem se sobrepor. O trabalho de Pasteur abriu um novo tipo de isomerismo em química.

Os dois cristais mostrados na Figura 1 são a imagem especular um do outro. Os químicos dizem que um é levógiro (desvia para a esquerda o plano de polarização da luz que passa através dele) e o outro é destrógiro (desvia a luz para a direita).

Quiralidade

Para entender melhor o conceito de imagem especular, faça um pequeno exercício. Escreva num pedaço de papel a palavra AR (letras maiúsculas) e leve-a frente a um espelho. Você vai notar na imagem mostrada no espelho que a letra A continua sendo um A, mas a letra R aparece "de trás para frente". Assim, o A é idêntico à sua imagem especular, os dois A podem se sobrepor; dizemos que têm a mesma quiralidade; mas o R e sua imagem especular não podem se sobrepor, têm quiralidades diferentes. (Quais outras letras do nosso alfabeto coincidem com suas imagens especulares?)

Continuemos nosso exercício. Você acha que você e sua imagem têm a mesma quiralidade? A resposta é não. Se não acredita, olhe para sua imagem e pisque o olho direito. Verá que a imagem piscou o esquerdo! Você e sua imagem especular são diferentes, o lado esquerdo de um é igual ao direito do outro. Se ainda não se convenceu, continue o exercício. Pegue uma luva, a da mão direita por exemplo. Coloque-a frente ao espelho e determine a qual de suas mãos reais a imagem da luva se ajusta. Verá que é à mão esquerda! A luva da mão direita se ajusta à mão esquerda da imagem especular, e vice-versa. [Quiralidade, assim como quiromancia e cirurgia, vem do grego kheír, kheirós, que significa mão.]

Diz uma lenda chinesa que no início dos tempos foram criados seres com as duas quiralidades. Conviviam sem problemas, até que, por razões desconhecidas, desencadeou-se uma enorme briga entre os de quiralidades diferentes. Deus, então, resolveu separá-los em dois mundos, sem que um pudesse entrar em contato com o outro.

Embora as simetrias tenham desempenhado um papel importante na Física Clássica, foi apenas após o advento da Física Quântica que elas despertaram maior interesse. A maioria das teorias atuais tem em seu arcabouço matemático conceitos fundamentais de simetrias. Esse assunto ficará para outra oportunidade. Como dissemos no início, agora estamos interessados apenas naquilo que o assunto tem de curioso. Mas, não podemos deixar de mencionar que as simetrias e a natureza têm uma intimidade bastante interessante. Na Física as simetrias estão relacionadas com propriedades das forças; em química e biologia, com o elemento "vida"; e, nas as artes, com a noção de "movimento".

Mais sobre quiralidade

Para explorar um pouco mais o conceito de quiralidade, vamos estudar com algum detalhe um objeto aparentemente prosaico, um dado. Se você tiver um dado, seria interessante apanhá-lo para acompanhar o restante desta seção.

A primeira propriedade que os dados devem ter é que os pontos de faces opostas devem somar 7. Assim, a face oposta ao 1 deve ser 6; a oposta ao 2 deve ser 5; e, a oposta ao 3 deve ser 4. Se assim não for, não teremos um dado "verdadeiro". Como exercício, descubra qual o número de pontos nas faces ocultas dos dados mostrados na Figura 2.

Agora, examine os três dados da mesma figura. Você acha que são vistas diferentes de um mesmo dado?

Dado 1	Dado 2	Dado 3
	Figura 2

Existem dois tipo de dados, o tipo "esquerdo" e o tipo "direito". Na Figura 3, dois dados foram dispostos de tal forma que as faces com pontos 1, 2 e 3 fiquem visíveis. Com o seu dedo, percorra os pontos em ordem crescente, como mostra a curva na figura. No dado do tipo "direito", o movimento de seus dedos tem o mesmo sentido do movimento dos ponteiros de um relógio. Já no dado do tipo "esquerdo", os dedos percorrem o sentido contrário. Antigamente eram construídos dados dos dois tipos. Hoje a maioria dos fabricantes produzem apenas dados do tipo "esquerdo", que passaram a ser os dados oficiais de jogos, como em cassinos por exemplo.

Dado "esquerdo"		Dado "direito"
	Figura 3

Mais exercícios •  Examine a Figura 2 e determine o tipo (esquerdo ou direito) de cada dado. •  Na Figura 4 temos três dados empilhados. O número de pontos da face superior do dado no topo da pilha está oculto por um pedaço de cartão. Sabendo que todos os dados são do tipo "esquerdo", determine o número de pontos de todas as faces ocultas, inclusive as de cima e as de baixo de cada dado.

Figura 4

O mundo de Alice

Vamos encerrar este artigo, comentando algumas reações de Alice. Quando ela passou para o mundo do outro lado do espelho, notou que os objetos não pareciam diferentes daqueles a que estava acostumada. Contudo, ao ver uma jarra de leite, imaginou se sua gatinha Dina poderia beber aquele leite. "Acho que não", pensou. E muito provavelmente estava certa, como poderão confirmar os biólogos. Os constituintes moleculares daquele leite são imagens especulares dos constituintes do leite "normal". O organismo da gatinha (ou o da Alice) não poderia metabolizar essas moléculas.

Se houvesse um relógio na sala, Alice constataria que os números estariam dispostos em ordem "invertida". Mais ainda, os ponteiros se moveriam no sentido contrário ao que estava habituada a ver. Abrindo um parênteses, podemos perguntar por que os relógios são construídos com ponteiros se movendo no sentido em que se movem. A resposta provável é porque eles foram inventados no hemisfério norte, e os inventores escolheram o sentido do movimento das sombras projetadas pela luz solar para determinar o movimento dos ponteiros. Se o relógio tivesse sido inventado no hemisfério sul, possivelmente seus ponteiros se moveriam no sentido contrário.