Valdir Aguilera
 Físico e pesquisador

 

 

História do racionalismo - 15
Confúcio, padrinho espiritual de Cristo

José Alves Martins

O sistema de pensamento confuciano era inteiramente laico

À semelhança de Buda e Lao-Tsé, Confúcio, que viveu de 551 a 479 antes de Cristo, tentou despertar seus compatriotas para a realidade (e a beleza) de uma filosofia de vida expurgada de divindades, crenças e dogmas religiosos. O confucionismo foi, como muitas outras escolas de pensamento da agitada época de declínio da dinastia Zhou, uma tentativa de estabelecer regras de comportamento capazes de restaurar a ordem no mundo chinês, onde os vários principados se destruíam mutuamente.

Fiel à milenar tradição taoísta, Confúcio acreditava na existência do Tao, princípio fundamental do universo, também denominado Razão Suprema e Força Cósmica ou Força Universal. Não se preocupava, porém, em discorrer sobre esse tema em suas preleções ao povo e mesmo a seus discípulos. Considerava tal assunto especulação metafísica de difícil compreensão para um povo primitivo.

É nos Analectos, livro de diálogos entre Confúcio e seus discípulos, que se encontram os fundamentos da filosofia confuciana, sistema de pensamento inteiramente laico, voltado a reformas políticas e sociais e, principalmente, aos preceitos morais e éticos aplicáveis à vida cotidiana do indivíduo em sociedade, desde o príncipe ao mais humilde cidadão.

Assim, sua doutrina caracteriza-se por situar o homem e sua experiência social e política no centro da investigação, daí resultando a definição das relações humanas individuais em função das instituições sociais, principalmente da família e do Estado. "A virtude consiste em amar os nossos semelhantes, e a sabedoria, em compreendê-los." Segundo Confúcio, a sinceridade e a reciprocidade são os princípios basilares da convivência entre os homens, pois ele concebia a humanidade como uma imensa família.

Na verdade, Confúcio escolheu a reciprocidade como palavra chave de sua doutrina, sintetizando nela todo o seu código de ética: "Não faças aos outros o que não desejas que te façam". Esse axioma áureo de Confúcio seria também a Regra de Ouro de Jesus, cinco séculos mais tarde.

Confúcio tornou-se mestre errante, de cidade em cidade, a disseminar seus ensinamentos, acompanhado por seus discípulos fiéis, da mesma forma como faria Jesus 500 anos depois. E, também, como o mestre Galileu, gostava de lidar com os fracassados e de lhes minorar as deficiências e sofrimentos. A quem lhe censurava essa atitude democrática, replicava: "A quem hei de associar-me se não aos sofredores?"

Foi o historiador Henry Thomas que, ao observar certas semelhanças doutrinárias e biográficas entre Jesus e Confúcio, chamou o mestre chinês de "padrinho espiritual de Cristo". Citamos acima algumas, apontadas pelo autor.

Segundo os estudiosos, Confúcio não era um líder religioso, e sim um racionalista que desencorajava o apego ao mito e a divindades. Rejeitava o sobrenaturalismo, a teologia e os dogmas, considerando superstições numerosos princípios da religião de sua época e tendo condenado muitas de suas práticas.

Essa posição racionalista e pragmática, informam ainda os estudiosos, se manteve entre os sucessores de Confúcio, que se dedicaram a expurgar de toda a literatura chinesa os elementos mitológicos e "sobrenaturais". Por isso ainda hoje os pesquisadores encontram grande dificuldade para reconstruir os mitos referentes às origens da civilização chinesa, uma vez que os personagens "divinos" das antigas cosmogonias (criação do mundo) foram transformados pela historiografia confuciana em mestres pregadores de moral.

Influência

O confucionismo exerceu profunda influência, durante cerca de 2 mil anos, na história da China, tendo sido declarado doutrina política e código de ética do império em 136 antes de Cristo, mantendo essa posição privilegiada até o fim do milenar regime imperial nesse país, em 1912. Por isso a compreensão desse sistema filosófico é de fundamental importância para o conhecimento da civilização chinesa.

A teoria do conhecimento de Confúcio, afirmam também os especialistas, apresentava certas semelhanças com a que serve de fundamento à ciência moderna, pois era não-dogmática e empírica (com base na experiência e na observação).

De acordo com um historiador cultural, o confucionismo teria influenciado certas críticas feitas por filósofos do racionalismo iluminista, no século XVIII, ao absolutismo monárquico europeu. Outra obra clássica atribuída a Confúcio que despertou o interesse do Ocidente em nossa época é o I Ching, cujos símbolos foram estudados, do ponto de vista da psicologia profunda, por um dos precursores da psicanálise, Carl Gustav Jung, que neles vê um caminho possível para a exploração do inconsciente.

Como observa o mencionado Henry Thomas, entre as multidões que, equivocadamente, endeusam e adoram Confúcio, racionalista tão radical e pragmático quanto Buda e, por isso, também qualificado de ateu, não são muitos os que subscrevem seus elevados princípios.

(Publicado originalmente no jornal A Razão, de junho de 2007, www.arazao.com.br)


 

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